A lista é espantosa – Elvis Presley, Beatles, Rolling Stones, Beach Boys, John Lennon, Otis Redding, Jimi Hendrix e Frank Sinatra são apenas alguns dos artistas que gravaram canções escritas pela equipa dourada composta por Jerry Leiber e Mike Stoller. Exibem um rico catálogo de canções que viverão para sempre. Entre essas jóias da autoria de Leiber e Stoller incluem-se canções como Stand By Me, Love Potion Number Nine, On Broadway, There Goes My Baby, Yakety Yak, Poisy Ivy e muitas mais.
Os nomeados para o Corredor da Fama do Rock and Roll, Leiber e Stoller, criaram um espantoso repertório de clássicos do rock eminentemente melodiosos que perduram geração após geração. Abrilhantadas pelos contornos sublimes e inventivos de Stoller e pelas palavras evocativas e sofisticadas de Leiber, o duo é merecidamente reconhecido entre a música popular como sendo a parceria de compositores mais importante e inovadora do século passado.
A revista Goldmine teve o imenso prazer de se sentar com Stoller em Beverly Hills para recordar sobre o seu trabalho como compositor por trás de muitas das gravações mais importantes de Presley. Mais recentemente, quatro das canções de Leiber/Stoller (Hound Dog, Jailhouse Rock, Don’t e She’s Not You) ocuparam o seu orgulhoso lugar numa nova compilação de sucesso de Presley, Elvis 10#1 Hits.
Inicialmente você nem sequer sabia quem era Elvis Presley.
A primeira vez que recebi um cheque com uma quantia mais ou menos avultada foi em 1956, e foi de 5.000 dólares. Pensei que nunca mais voltaria a ver tanto dinheiro junto. E fui à Europa durante três meses e regressei em grande estilo porque 5.000 dólares eram capazes de nos levar muito longe naquele tempo, especialmente na Europa. A minha primeira mulher e eu regressámos num cruzeiro italiano, o Andrea Dória. Quase conseguimos chegar a Nova Iorque. O Stockholm abalroou o Andrea Doria. Houve imensas pessoas que morreram, não tantas como poderia ter sido, felizmente. Mais morreram mais de 50 pessoas. O navio foi ao fundo. Subimos por uma escada que abanava imenso até entrarmos num salva-vidas estragado, que foi o que conseguimos arranjar.
Não conseguíamos controlar o barco porque o leme estava partido. Acabámos por ser apanhados pelo Cape Ann, um barco de cargas que estava ali perto. Do Cape Ann enviei um telegrama à Atlantic Records. Era suposto ir encontrar-me com Jerry e Lester Sill nos escritórios da Atlantic. Até então, todas as nossas produções para a Atlantic tinham sido feitas em Los Angeles, então ainda não tinha conhecido ninguém, com excepção de Nesuhi Ertegun. Seja como for, quando o Cape Ann chegou ao porto de Nova Iorque, Jerry estava lá à minha espera (ri-se). Ele disse, “Ei, estás vivo!” E eu disse, “Calculo que sim.” “É ótimo ver-te, pá!” E disse, “Escuta, temos um êxito!” E eu disse, “Estás a brincar!” E ele replicou, “Não, é Hound Dog.” E eu disse, “O disco da Big Mama Thornton?” E ele respondeu, “Não, é de um miúdo branco chamado Elvis Presley.” E eu disse, “Elvis quem?”
Qual foi a sua primeira impressão acerca da versão de Presley de Hound Dog?
Pareceu-me um bocado rígida e talvez demasiado rápida – um pouco nervosa. Não tinha aquela tonalidade de insinuação, como se sentia na gravação de Big Mama.
E acabou por vir a gostar?
Depois de ter vendido 7 milhões de exemplares, começou a soar-me melhor, sim (ri-se).
Quem é que chamou a atenção de Presley sobre Hound Dog?
Elvis conhecia a gravação de Big Mama, mas a versão de Big Mama de Hound Dog foi escrita para uma mulher. E então, Elvis não poderia cantá-la da mesma forma. Havia um grupo, os Freddie Bell & The Bell Boys, que trabalhavam em Vegas que a tinham gravado. Eles tinham alterado a letra – as letras alteradas não têm assim um sentido tão diferente. Fizeram com que a canção tivesse sido escrita sobre um cão. A gravação de Big Mama é que tinha a letra original, que era sobre um gigolô descarado.
Depois disso, os editores da música de Elvis, os irmãos Aberbach, Jean e Julian, contactaram-nos. Já os tínhamos conhecido em L.A. Costumavam ter uma casa e escritório aqui no Hollywood Boulevard, mesmo perto de La Brea. Já tínhamos falado com eles uma série de vezes sobre outros assuntos. Telefonaram e perguntaram se tínhamos outras canções que pensássemos ser boas para Elvis. O Jerry pensou numa balada que tínhamos gravado, Love Me. Era uma canção que tínhamos gravado com Willie & Ruth com a nossa própria etiqueta, a Spark Records. Eram dois elementos de um quinteto vocal de música gospel.
Em que é que a versão deles difere da de Elvis?
A canção é a mesma, mas antes de mais, Willie & Ruth eram um dueto que cantava em harmonia. O disco deles tinha piano. Era um desempenho forte, mas o desempenho de Elvis é realmente especial. O estranho é que a versão de Elvis de Love Me tornou-se num grande êxito nas tabelas, mas nunca foi lançada em single. Foi lançada como fazendo parte de um EP. Para ser sincero, quando escrevemos Love Me pela primeira vez, estávamos a pensar em algo tipo Homer & Jethro.Pois tem aquela letra toda masoquista (recita a letra). “Treat me like a fool, treat me mean cruel but love me” (Trata-me como um louco, trata-me mal e de forma cruel, mas ama-me). Quase podia ser uma piada, mas o desempenho de Elvis tornou-a uma canção genuinamente comovente.
De seguida Elvis gravou as vossas canções Hot Dog e Loving You.
Loving You era uma balada de amor. Foi a nossa tentativa de escrever uma canção simples e direta, tipo uma canção à Irving Berlin.
Você leu o guião do filme antes de começar a trabalhar com a canção?
Acho que lhe demos uma vista de olhos. Era o guião que originalmente se chamava Lonesome Cowboy? Elvis gostou de Loving You e gravou-a. Subsequentemente o estúdio mudou o nome do filme para Loving You.
Qual foi a ideia por trás de Hot Dog?
Era uma canção que tínhamos que reescrevemos para Elvis cantar no filme. Originalmente tínhamos gravado uma versão diferente dessa canção com um tipo chamado Young Jessie. O seu nome verdadeiro era Obie Jessie – um cantor bastante bom e um músico razoável. Ele tinha estado com um grupo de rhythm and blues, chamado The Flairs.
Mais tarde cantou nos The Coasters em Searchin’ e em Young Blood, quando um dos rapazes ficou indisponível. Enviávamos Hot Dog e Loving You através dos canais apropriados, o que significa primeiro para Freddy Bienstock, que trabalhava para os seus primos, os irmãos Aberbach. Era esse o sistema que tinha sido estabelecido. Ninguém era suposto contatar Elvis diretamente.
Conte-me como é que você e Jerry acabaram por escrever tantas das melhores canções do filme Jailhouse Rock.
Jailhouse Rock é o título de uma canção que escrevemos para o filme. Posteriormente, os produtores decidiram que deveria também ser o título do filme. O Jerry e eu viemos para Nova Iorque – deve ter sido em Março de 1957. Viemos por tempo indeterminado – duas, três semanas, talvez um mês. Já tínhamos começado a produzir discos para a Atlantic. Também queríamos ver que mais estaria a acontecer em Nova Iorque.
Estávamos a pensar mudar-nos para lá. Ficávamos numa suite do Gorham Hotel. Tinha uma sala-de-estar e dois quartos. Porque íamos ficar ali por uns tempos, também mandávamos pôr um piano alugado na sala-de-estar. Jean Aberbach tinha-nos dado um guião, e mais ou menos que o atirávamos para um canto, para cima de um monte de revistas. Estávamos a divertir-nos imenso em Nova Iorque. Íamos a cabarés e a clubes de jazz e ao cinema.
Então escrever aquelas canções para Elvis não estava no topo da vossa lista de prioridades?
Não, de todo. E se bem me lembro, acho que foi numa manhã de Sábado, bateram à nossa porta e Jean Aberbach entrou. Ele disse, “Bem, rapazes, onde estão as minhas canções?” Dissemos, “Não te preocupes. Vais recebê-las.” E ele disse, “Eu sei, porque nenhum de vocês vai sair deste quarto até eu as levar comigo.” E ele puxou de uma grande cadeira estofada e pô-la à frente da porta. Disse, “Vou dar uma soneca.”
O guião indicava que Elvis estava na prisão e ia haver um espetáculo amador entre os prisioneiros. Foi daí que surgiu a ideia para a canção. Escrevêmo-la rapidamente. O Jerry é muito rápido e muito engraçado. Essa canção foi um veículo que Presley podia realmente trabalhar. Quando a gravávamos sabíamos que tínhamos conseguido ao 9º take. Mas Elvis foi para o estúdio depois de já ter gravado mais de 20 a dizer, “Posso fazer melhor!” Ele adorava cantar. E sentia-se realmente confortável dentro de um estúdio de gravação.
Treat Me Nice tem um ritmo espectacular.
Eu gosto dessa faixa. Na realidade sou eu que estou a tocar o piano nessa gravação. Não sei se toquei assim lá muito bem, mas pareceu funcionar (ri-se).
Lembro-me que sobre essa canção Jean Aberbach disse, “Adoro essa imagem de um pássaro na árvore que vocês falam na letra.” Boa faixa. A outra canção foi[You're So Square] Baby I Don't Care. Foi apenas uma canção divertida. Mas funcionou. Foi um bom disco para ele.
Gosto daquela cena em Jailhouse Rock quando Elvis canta essa canção ao pé de uma piscina e você faz parte da banda dele, a tocar o piano.
Com as nossas camisas havaianas vestidas. Foi a única roupa que o estúdio disponibilizou. O resto era mesmo roupas nossas. Estavam mesmo a poupar dinheiro. O estúdio e Tom Parker calcularam que iam fazer uma fortuna com este filme, por isso foi do género, “Não vamos desperdiçar dinheiro com o guarda-roupa” (ri-se). O filme foi filmado nos estúdios da MGM, em Culver City.
Fale-nos da primeira vez que você e Jerry viram Elvis.
Elvis tinha-nos pedido para estarmos presentes nas sessões de gravação de Jailhouse Rock. Ele sabia dos discos que tínhamos produzido, por isso pediu para estarmos lá presentes. E foi assim que o conhecemos. Ele era muito afável e era muito fácil e confortável estar na sua presença. Estava a mostrar-lhe algumas notas no piano e ele juntou-se a nós a cantar nos registos mais agudos. E também tocávamos alguns boogie-woogies espontâneos.
O estúdio era como se fosse a sala-de-estar dele. Também tinha com ele os seus amigos que se tinham tornado em companheiros assalariados. Eram colegas da escola secundária e rapazes locais de Memphis e primos. Mostrávamos a Elvis como achávamos que as canções deviam ser. Acho que Elvis já tinha ouvido as demonstrações, mas não me lembro de as ter feito. Devem ter sido feitas, pois ele aprovou as canções com antecedência.
Elvis sabia intuitivamente quando um take era para manter?
Sim, acho que sim. Era muito astuto nesse sentido, mas como já disse antes, ele tentava sempre fazer melhor. Ele trabalhava imenso no estúdio. Era trabalho árduo, mas parecia ser algo muito fácil para ele porque adorava o que fazia. Se ele gostava de uma canção não parava de dizer, “Sim, posso fazer melhor. Esperem aí, deixem-me tentar isto. Dêem-me mais uma oportunidade!” Tal como disse, já íamos para aí no 27º take de Jailhouse Rock quando ele finalmente disse, “Ok, deixem-me ouvir esse take que vocês acham que é o melhor.” E depois de o ter ouvido, disse, “Sim, têm razão. É mesmo esse.”
Você e Jerry trabalharam como produtores não oficiais dessas sessões.
Acho que nessa altura o título de produtor ainda não era utilizado nas gravações. Se tivesse sido um filme, o crédito não teria sido como produtor, mas sim como realizador. O nosso papel naquelas sessões evoluiu. Elvis confiava em nós e ninguém era capaz de nos parar. O Coronel Tom Parker entrava e saía do estúdio. Quando Steve Sholes estava lá, ele dizia os números dos takes, tipo “RCA 39-4734, take 3”. Quando fomos nós a tomar conta das sessões, limitávamo-nos a gritar, “Jailhouse Rock, take 4, Jailhouse Rock, take 5!” O Jerry trabalhava a partir da cabine de som, mas também vinha ter connosco ao estúdio. Eu trabalhava lá dentro com os músicos. Só toquei piano numa das faixas, em Treat Me Nice. Dudley Brooks tocou em todas as outras.
Era um bom pianista. Scotty Moore, Bill Black, D.J. Fontana e os Jordanaires também estavam nas sessões. O Jerry e eu trabalhávamos muito bem juntos com Elvis. Mas no último dia das gravações, alguns dos fulanos do estúdio cinematográfico vieram ter connosco, abordaram o Jerry e disseram, “Escuta, vamos começar a filmar em tal data. Tu deves aparecer para fazer o papel do pianista no filme.” E o Jerry disse, “Mas não sou pianista.” E eles disseram, “Não faz mal, pareces-te com um pianista”. (ri-se). No dia em que o Jerry era suposto apresentar-se na MGM para os testes com o guarda-roupa, estava com uma dor de dentes horrível. E disse, “Caramba, não consigo ir. É melhor ires tu no meu lugar.” E eu disse, “Mas eles querem-te a ti.” E ele respondeu, “Eles nem vão dar pela diferença.”
E então lá fui eu e a única coisa que me disseram foi, “É melhor rapar a barba, pois não ia ficar bem.” (ri-se). Acabei tudo numas poucas semanas. Não tive permissão para dizer nada no filme (ri-se) porque tinham de nos pagar se o fizéssemos. Os músicos de Elvis e eu estávamos sob um contrato do Sindicato dos Músicos. E eles tinham uma escala de pagamentos para algo que se chamava “fazer representações”, o que significava que quer tocássemos na gravação original ou outra pessoa o fizesse, tínhamos de representar os movimentos de quem estava a tocar para a câmara. Acho que recebemos 36 dólares por semana por fazer isso.
Estava na realidade a tocar piano com a restante música durante a cena em que Elvis cantou?
Sim, mas isso não interessava. O piano não tinha quaisquer cordas no seu interior. Tinha teclas, mas não tinha nada lá dentro, por isso não se podia ouvir nada.
Conviveu muito com Elvis nos estúdios?
Convivi com Elvis e a sua banda nos estúdios cinematográficos. Normalmente Elvis era mantido à distância, mas numa ocasião convidou-me para ir até à sua suite no último andar. O grupo de Presley tinha todo o andar do topo do Beverly Wilshire alugado. Então lá fui com aqueles rapazes todos. Havia lá uma mesa de bilhar e Elvis e eu jogávamos um bocado. Quando de súbito ergui o olhar, já não estava lá mais ninguém. Elvis regressou à outra divisão e disse, “Caramba, Mike, sinto-me mesmo mal, mas o Coronel está cá e ele não deixa mais ninguém vir aqui. Por isso, acho que tens de te ir embora.”
Quando reconheceu que Elvis era um um bocadinho mais especial que aquilo que você e Jerry se aperceberam no início?
No início estávamos assim um bocado curiosos sobre este tipo que era um sucesso tão grande, um fulano branco a cantar R&B misturado com country. Mas ele era muito conhecedor e descobrimos isso quando começávamos a conviver com ele no Radio Recorders. Falávamos de discos de blues e ele tinha um enorme conhecimento sobre blues. Surpreendeu-nos. E também conhecia todo o nosso trabalho. E, claro, para além de tudo isso, conhecia também tudo sobre country e gospel. Enquanto estávamos a trabalhar nas sessões de Jailhouse Rock, apercebemo-nos que ele era um talento muito especial.
Uma das mais bonitas canções que alguma vez escreveram para Elvis e uma das que ele mais gostava das vossa canções é o êxito Nº 1, Don’t.
Don’t foi escrita para ele a pedido. Numa tarde, era uma Sexta-Feira, enquanto estávamos a fazer as filmagens, que é muito do tipo “despacha-te mas agora espera”, ele disse, “Ei, Mike, porque é que não me escreves uma balada mesmo muito bonita?” Eu respondi, “Vou escrever. Telefono ao Jerry e começamos já a trabalhar.” Telefonei ao Jerry nessa noite e reunimo-nos no Sábado e escrevemos Don’t. Achei que foi uma canção muito boa para Elvis. Gosto da canção e gosto do trabalho que ele fez com ela. Se bem me lembro, tem 12 tempos, mas não é uma canção de blues. No Domingo, alugávamos um estúdio para fazer a gravação de demonstração e chamávamos o Young Jessie para cantar.
Dei a demonstração a Elvis na Segunda-Feira e ele adorou. Depois houve uma grande problemática com o Coronel Parker e os Aberbachs porque eu não tinha seguido pelos canais apropriados. Ficaram com medo, pois quando Elvis se apaixonava por uma canção, apaixonava-se mesmo por ela e podia insistir que queria gravá-la. Muito embora tantos aspectos da sua carreira fossem tratados por outras pessoas, uma coisa que ele fazia sozinho era escolher as canções que cantava. Não cantava uma canção de que não gostasse, pelo menos não até bastante mais tarde. Eles tinham medo que ele pudesse gravar algo e eles pudessem não obter os direitos de publicação. Refiro-me a Tom Parker e aos Aberbachs.
Esse foi um erro crucial da parte do Coronel, não permitir que Elvis gravasse canções de qualidade só porque eles não podiam ficar com os direitos de autor.
Sim, concordo consigo. E certamente que teria sido muito melhor para a carreira de Elvis, mas não teria satisfeito o Coronel Parker. Ele queria que Elvis agisse da mesma forma vezes sem conta. Não se queria arriscar em nada. Mas quando uma pessoa se estica um pouco a nível artístico, é uma coisa tão maravilhosa. Veja o que aconteceu com os Beatles. Eles foram um pouco mais além. Foi maravilhoso. Foi excitante. Acho que Elvis tinha a capacidade para fazer isso, mas o Coronel não estava disposto a arriscar nada com a sua galinha dos ovos de ouro.
Qual é a sua opinião acerca do Coronel hoje em dia? Acha que, na generalidade, o Coronel foi a pessoa correcta para orientar a carreira de Elvis?
Certamente que ajudou Elvis a tornar-se uma super estrela. Mas no final das contas, não teria sido a melhor pessoa para orientar a carreira de alguém com um talento inato como era o que Elvis tinha – e não apenas um talento, mas um talento supremo. A dada altura, Jerry foi convidado para uma festa cocktail muito elegante em Nova Iorque e foi abordado por uma agente e produtor, Charles Feldman. Ele disse, “Sinto-me tão feliz em conhecê-lo, pois acabei de aceitar trabalhar um romance de Nelson Algren intitulado A Walk on the Wild Side.” Disse, “Isto é o que quero que aconteça. Já envolvi as seguintes pessoas no projeto: Elia Kazan para produzir, Bud Schullberg para escrever o guião. Tenho o James Wong para a cinematografia. E quero que você e o seu parceiro escrevam a banda-sonora do filme, e quero que Elvis Presley represente o papel principal.”
O Jerry telefonou-me e contou-me isto e ficámos entusiasmadíssimos. Tão entusiasmados que ficámos. Pensámos, “Uau, vamos poder levar este projecto excitante a Jean e Julian, ao Coronel e a Elvis.” Fomos até ao escritório da Hill & Range porque a música de Elvis Presley pertencia a Elvis e aos Aberbachs. Jean estava lá e Julian entrou. O Coronel estava noutro sítio qualquer. Expusemos-lhes tudo. Eles disseram, “Teremos de falar com o Coronel. Podem esperar lá fora?” Então esperámos lá fora e calculámos que o Coronel ficasse delirante com este projecto.
Esperámos muito tempo e quando fomos chamados por Jean, ele disse (adopta um sotaque vienense), “O Coronel diz que se mais alguma vez se atreverem a interferir na carreira de Elvis Presley, nunca serão capazes de trabalhar em Nova Iorque, em Hollywood, em Londres ou em qualquer outra parte do mundo” E foi assim. E praticamente deixámos de escrever canções para Elvis depois disso. Depois de King Creole, as únicas canções que enviámos a Elvis foram canções que já tínhamos escrito e gravado antes.
Não, não foi. De facto, com uma única excepção, paramos de escrever para ele de todo e só enviámos material de canções previamente escritas e já gravadas. Quanto a Just Tell Her Jim Said Hello, tínhamos uma demonstração que era consideravelmente diferente da forma como Elvis a cantou. Tinha um sentimento diferente, menos country, mais latina.
Essa excepção foi She’s Not You.
Correcto. Doc Pomus telefonou-nos um dia. Estávamos no Brill Building. Doc era um velho amigo e já tínhamos produzido imensas canções de Doc e Morty (Mort Shuman) com os The Drifters. O Mort ou tinha ido para o Japão ou tinha-se mudado para Paris. O Doc telefonou-se e disse, “Venham daí. Vamos escrever uma canção para Elvis.” E então escrevemos She’s Not You com ele, nós os três. Foi escrita para Elvis a pedido do Doc.
As três canções que você e Jerry escreveram para King Creole têm um som distinto à New Orleans, Dixieland.
A inclusão de instrumentos de sopro nos arranjos foi uma mudança do habitual quarteto de Elvis. Michael Curtiz, o realizador de King Creole, esteve presente nas sessões de gravação. Provavelmente isso aconteceu por ter sido o melhor filme que Elvis alguma vez fez. Tinha a melhor história, o melhor guião e o melhor elenco.
Escrevemos três canções. Uma foi King Creole. Ao contrário de Loving You e Jailhouse Rock, que primeiro foram escritas e depois se transformaram nos títulos das canções onde foram ouvidas, King Creole era o nome do filme e nós escrevemos a canção seguindo o título. Elvis fez um trabalho excelente com esta canção. Gostei especialmente de Trouble e adorei a forma como ele a cantou no especial de regresso.
O que o inspirou e a Jerry para escrever uma canção como Trouble?
Já tínhamos escrito canções desse género antes – Riot in Cell Block #9, Framed, canções tipo blues – e sabíamos que Elvis era capaz de cantar coisas desse tipo.
Essa faixa captava menos da atitude feliz de Elvis. Tinha um sentido ameaçador recorrente de sexualidade e perigo.
Sim. Era “braggadocio”, como John Henry, Paul Bunyan – um desses heróis do folk maiores que a vida. A outra canção, Steadfast Loyal and True, era uma canção tipo hino de escola secundária. Ainda no outro dia ouvi uma versão desta canção. Está naquela caixa com 4 CDs que saiu recentemente (Today, Tomorrow and Forever). Achei-a bem charmosa. Gostei mesmo muito.
Você e Jerry também supervisionaram aquelas sessões de King Creole.
Sim, supervisionámos, no que tocava às canções que escrevemos. Lembro-me que o estúdio estava muito cheio. O Coronel estava lá, Michael Curtiz e Steve Sholes estavam lá. Também havia imensos executivos do estúdio. E claro, Thorne Nogar, sendo um excelente engenheiro de gravações, também lá estava.
Havia alguma fórmula que você e Jerry seguissem quando estavam a escrever canções para Elvis Presley?
Não. Não compúnhamos a partir de uma fórmula. Quer dizer, somos influenciados por tudo o que ouvimos na vida quando compomos. Mas não, não tínhamos nenhuma fórmula. Há tipos diferentes de canções. Love Me é bem diferente de Loving You, que também é bastante diferente de Don’t. King Creole é muito diferente de Jailhouse Rock.
Estávamos na sessão. Escrevêmo-la no corredor entre takes de qualquer outra coisa (ri-se). Eles precisavam de outra canção para a época festiva. Foi uma coisa de momento.
É uma das canções mais blues que Elvis gravou.
Sim, e é um bocadinho arriscada. Obviamente que a RCA Victor não apanhou o facto que “Santa Claus is coming down your chimney tonight” (o Pai Natal vai descer pela tua chaminé abaixo esta noite) em nada se referia a uma chaminé (ri-se).
Muitas das canções que você e Jerry escreveram têm um delicioso sentido de humor. Duas das canções que Elvis gravou vossas são assim, Girls! Girls! Girls! e Little Egypt.
Girls! Girls! Girls! e Little Egypt foram ambas escritas para os The Coasters, que eram mais ou menos versões de nós mesmos a cantar. Escrevemos canções engraçadas para eles. O Jerry faz as letras e eu componho a música, mas trabalhamos muito de perto um com outro em tudo. The Coasters eram realmente a nossa voz. Girls! Girls! Girls! não foi um sucesso para os The Coasters. Então dissemos, “Bem, talvez Elvis a possa cantar,” e é óbvio que ele gostou da canção.
Qual era o procedimento para que as vossas canções pudessem ser consideradas por Elvis?
Era a mesma coisa. Tínhamos de as levar a Freddy Bienstock. Sei que Elvis cantou Little Egypt no especial de regresso.
Little Egypt também esteve no filme Roustabout. Houve canções que vocês escreveram especificamente para Elvis. E depois havia canções que ele gravava que eram primeiro gravadas por outros artistas. Você acha que Elvis dava uma melhor interpretação dessas canções que especificamente compunham para ele cantar?
É difícil dizer, mas acho que o desempenho de Elvis nas canções que fazíamos para ele saiam geralmente melhor que aquelas que eram escritas para outro artista qualquer. Love Me é uma excepção. Foi um excelente desempenho. Gosto mais da versão original de Bossa Nova Baby pelos Tippie & The Clovers que da versão de Elvis. Tem um som bem latino e certos elementos de bossa nova, mas não era bem a mesma coisa. A versão dos Clovers era bem mais fixe que a de Elvis, que saiu no filme Fun In Acapulco.
Acho que pode ter sido. Foi escrita para ele. Depois saiu num dos seus álbuns (Elvis Is Back).
Ficou surpreendido com as versões de Elvis de alguma das canções de Leiber e Stoller que ele gravou?
Refere-se a canções que foram primeiro gravadas por outras pessoas?
Sim.
Sim, houve algumas que eram bastante diferentes das versões originais. Three Corn Patches. Algures pelo caminho, perdi o acetato original. Foi gravada por O.C. Smith, mas nunca saiu. A banda era pratiamente a mesma de Count Basie Band com um arranjo de Frank Foster. Era engraçada, mas era jazz. E a versão de Elvis não tem nada a ver com jazz. É outra coisa. É laboriosa por comparação.
Se bem me lembro, eu pensei que estava a ser tocada na escalada errada, pois era demasiado aguda para ele. Mas podia bem ter sido ele ter aprendido a canção pelos discos dos Drifters e acho que essa foi cantada por Johnny Moore, que tem uma voz mais aguda. Isso às vezes acontecia com Elvis. Ele aprendia algo e queria fazer o trabalho na mesma escala na qual tinha aprendido. Ele também fez outra versão de um disco dos Drifters, If You Don’t Come Back. Elvis não fez um mau desempenho com essa canção, de todo. Claro que sou parcial para opinar sobre os Drifters, pois fomos nós que produzimos tudo, e até tivemos os resultados nas tabelas que queríamos e tudo. If You Don’t Come Back e Three Corn Patches não saíram no álbum Elvis Presley Sings Leiber and Stoller por este motivo…
a dado momento na carreira de Elvis, o Coronel quis receber um montão de dinheiro e, uma vez que ele recebia 50% de tudo o que Elvis conseguia ganhar, venderam todos os direitos de autor à RCA Victor. Acho que foi por 5 milhões de dólares. No entanto, continuaram a gravar Elvis depois disso. Essas duas canções não estavam entre aquelas que Parker vendeu. E então o álbum na realidade só contém canções sobre as quais a RCA não detém os direitos.
Estou curioso com uma canção que você e Jerry compuseram, You’re The Boss. Foi gravada como um dueto por Elvis e Ann-Margret para o filme Viva Las Vegas.
Essa foi uma canção que se saiu modestamente bem numa versão que produzimos para La Vern Baker e Jimmy Ricks, o tenor dos Ravens. Depois de termos deixado de receber trabalhos para escrever para Elvis, enviámos You’re The Boss para um filme de Presley. Quando nunca mais tivemos notícias sobre o assunto, presumimos que não tinham gostado e não a tinham gravado. Por volta de 1980 quando eu estava em Londres, ajudei a organizar um álbum para a RCA Victor chamado Elvis Presley Sings Leiber and Stoller. Uns 10 anos depois a RCA decidiu lançá-lo em CD. Disseram-me que Thorne Nogar tinha encontrado esta versão de You’re the Boss, e foi incluída no CD. Foi uma grande surpresa para nós (ri-se). Foi bom. Gostei mesmo.
Por falar em La Vern Baker, Elvis gravou Saved, uma canção que foi primeiro gravada por ela. Ele fez um desempenho vocal espantoso com essa canção.
Oh, é fantástica. Adorei. Não há necessidade de as comparar, mas o disco de La Vern de Saved é uma das nossas produções preferidas. Ela foi incrível. Fizemos tudo no velho estúdio da Atlantic, no último andar de uma casa velha, e da primeira vez que ouvi Elvis cantá-la foi no especial de regresso. Corky Hale, a minha segunda mulher, tinha acabado de vir morar comigo e fizemos uma festa no nosso apartamento. Ela cozinhou uma refeição e convidámos umas 30 pessoas.
Ela tinha alugado quatro ou cinco aparelhos televisivos (ri-se) e tinha-os ligado a todos ao mesmo tempo na sala-de-estar. Por isso lembro-me disso muito bem. Não tinha ideia nenhuma que Elvis iria cantar Saved e Trouble no espectáculo. Ele tinha um aspecto tão fantástico nesse espectáculo. Foi de arrasar. Foi o auge de Elvis. Os seus desempenhos foram fantásticos e ele tinha um aspecto incrível. No fundo era como queríamos que Elvis se tivesse mantido para sempre.
Chegou a ver Elvis ao vivo durante os anos em Vegas?
Sim. Fui vê-lo umas poucas de vezes. Apresentei-lhe a Corky. Ele foi muito educado. Às vezes também via o Coronel a jogar chapas de 100 dólares na mesa da roleta.
E ele alguma vez o viu?
Oh, sim, mas não estava particularmente interessado. Estava mais interessado em jogar à roleta com o dinheiro de Elvis (ri-se).
Com que impressão ficou do seu espectáculo ao vivo?
Desiludido.
Porquê?
Triste. Ele tinha ficado inchado. Estava a fazer uma caricature dele mesmo. Sim, ele ainda tinha uma voz fantástica, mas parecia mais estar a gozar consigo próprio. Uma coisa é ter sentido de humor, mas outra é ele estar a fazer como se fosse um imitador de Elvis, o que era muito triste.
Você acha que Elvis sabia o quão bom era?
Não sei. É uma pergunta difícil. E se ele sabia – vamos pôr a coisa desta forma – no princípio, ele sentia-se extremamente confiante no estúdio. Era muito confiante e se interpretarmos isto como se ele soubesse quão bom era, então suponho que ele sabia. Por outro lado, quando ele ia para os estúdios cinematográficos, sentia-se muito inseguro. Lembro-me de um incidente em particular em que dois actores estavam sentados a conversar. Estavam a falar sobre as suas esposas ou automóveis, apenas coisas de família e estavam a rir-se. Elvis entrou, virou-se e disse, “Pensam que são muito importantes?” Ele pensou que estavam a rir-se dele.
Há algumas canções de Leiber e Stoller que ache que Elvis teria feito um excelente trabalho se as tivesse gravado?
Sim, tenho a certeza que há muitas. Anos mais tarde, quando ele estava a trabalhar com Chips Momam, disseram-me que eles chegaram a gravar uma faixa de Kansas City, mas a voz nunca foi gravada. Teria adorado ouvir Elvis cantá-la.
E por último, porque acha que as canções que você e Jerry escreveram combinavam tão bem com Elvis a nível pessoal e se saíram tão bem do ponto de vista comercial?
É difícil para mim dizer que eu sei que ele gostava das coisas que fazíamos. Ele respeitava-nos. Viemos a saber o grande talento que ele tinha muito depressa, mal começámos a trabalhar com ele. E outra coisa foi que houve uma ligação criativa entre nós e disseram-nos muitas vezes depois de Jailhouse Rock que ele nos considerava os seus amuletos da sorte. Queria que estivéssemos sempre no estúdio. Essa também foi uma das coisas que nos fez ter problemas com o Coronel. O Coronel dizia, “Vocês têm de vir para a Califórnia.” O Jerry estava doente e eu não ia sair sozinho, pois não sabia que canções estavam a ser gravadas nessas sessões, visto que não estávamos lá. Elvis queria que estivéssemos no estúdio com ele e eles estavam dispostos a pagar-nos as passagens aéreas fosse para onde fosse só para lhe agradar.
Claro que andámos a trabalhar como produtores não pagos nas gravações das nossas canções (ri-se). Algures entre 5 ou 10 anos atrás, o Jerry e eu fomos para Memphis pela primeira vez. Georgie Klein, um amigo de longa data de Elvis de Memphis, que conhecemos nos anos 50, deu-nos uma visita especial por Graceland. Enquanto fazíamos isso, ele disse, “Vocês sabem o que realmente matou Elvis? Ele queria realmente fazer algo de importante como actor. Ele queria fazer algo do tipo que Marlon Brando e James Dean fizeram.” E claro que tinha sido isso mesmo que lhes tínhamos levado com A Walk on the Wild Side e o Coronel matou o projecto.
Fonte: Revista Goldmine./elvis100percent.com